A Associação dos Defensores Públicos do Estado do Espírito Santo (ADEPES), em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES) e a Assembleia Legislativa (ALES), realizou, no último dia 15 de setembro, um evento voltado ao debate sobre a atualização do Código Civil Brasileiro. O encontro, realizado no Plenário Dirceu Cardoso, reuniu defensoras e defensores públicos, parlamentares, magistrados, membros do Ministério Público, advogados, gestores públicos e representantes da sociedade civil.
O convidado central da atividade foi o vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro Luis Felipe Salomão, que presidiu a Comissão de Juristas constituída em 2024 pelo Senado Federal e responsável pela elaboração do anteprojeto de atualização do Código Civil, atualmente em tramitação como Projeto de Lei nº 4/2025.
Em sua exposição, intitulada “Atualização do Código Civil”, o Ministro ressaltou a necessidade de adequação da legislação às transformações sociais e tecnológicas verificadas nas últimas décadas. Destacou que, embora a versão vigente seja de 2002, “as rápidas mudanças ocorridas na sociedade e a velocidade imposta pelas novas tecnologias tornam urgente a atualização do Código Civil”.
O Ministro lembrou que a versão de 2002 foi fruto de um longo processo iniciado ainda na ditadura militar, conduzido por uma comissão restrita, “composta por apenas três pessoas, todas do gênero masculino, em um contexto autoritário e conservador”. Hoje, conforme observou, a comissão que elaborou o novo anteprojeto contou com múltiplas representações, refletindo maior diversidade e diálogo com a realidade contemporânea.
Ao longo de sua fala, Salomão trouxe exemplos concretos de situações que chegaram ao STJ e que não encontram previsão legal no atual código. Mencionou casos relacionados a eutanásia, inventário de bens digitais (como criptomoedas e senhas), reprodução assistida, veículos autônomos, algoritmos e metaverso. Um dos episódios citados foi o de um casal que congelou um embrião antes da lua de mel; após o falecimento do marido em acidente, surgiu a controvérsia sobre a possibilidade de implantação do embrião. Segundo o Ministro, “a quarta turma do STJ decidiu, por três votos a dois, pela necessidade de autorização expressa do pai para viabilizar a implantação”, demonstrando como a ausência de regulamentação em temas sensíveis exige decisões complexas do Judiciário.
Outro ponto destacado foi a proteção da privacidade em tempos de inovações tecnológicas. Salomão recordou um episódio ocorrido nos Estados Unidos no início do século XX, quando jornalistas divulgaram detalhes de um casamento por meio do telégrafo, gerando intenso debate jurídico sobre invasão de privacidade. “Assim como naquela época, em que a tecnologia desafiou os limites da vida privada, hoje vivemos situações ainda mais delicadas com o uso da inteligência artificial e das redes digitais. Precisamos de instrumentos jurídicos atualizados para dar respostas adequadas à sociedade”, afirmou.
Para o Ministro, é imprescindível que o novo Código contemple demandas relacionadas a temas emergentes, como direito ao esquecimento, desindexação nas redes sociais, direitos relacionados aos animais, substituição de órgãos por impressão 3D e até mesmo a preservação do cérebro humano em cenários de avanço científico. Tais questões, segundo ele, demonstram a urgência de uma legislação que acompanhe a evolução das relações privadas.
Durante a cerimônia, o Ministro Luis Felipe Salomão foi agraciado pela Assembleia Legislativa com duas honrarias de grande relevância: a Comenda Domingos Martins, no grau Grã-Cruz, e o Título de Cidadão Espírito-Santense, entregues pelo presidente da Casa, deputado Marcelo Santos. Ao receber as distinções, o Ministro afirmou que enaltecer Domingos Martins, herói capixaba da Revolução Pernambucana, “é essencial nesses dias em que o Brasil luta, novamente, por sua independência e sua autonomia”.
O evento também foi marcado pelo reconhecimento à Presidenta da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), Fernanda Fernandes. Ela recebeu uma homenagem especial pela atuação como consultora da Comissão de Juristas responsável pelo anteprojeto do novo Código Civil. A placa entregue destacou “seu compromisso com a promoção da justiça social, da cidadania e da defesa dos direitos”. A deferência ressalta a relevância da Defensoria Pública em espaços nacionais de formulação legislativa e o protagonismo das defensoras e defensores públicos na consolidação de um sistema de justiça inclusivo.
A solenidade contou com a presença de importantes lideranças institucionais, entre elas o Vice-Governador do Espírito Santo, Ricardo Ferraço, o Presidente do Tribunal de Contas, Domingos Taufner, a Presidenta da OAB/ES, Érica Neves, o Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Namir Carlos de Souza Filho, além de parlamentares estaduais, representantes de associações de carreiras de Estado e dirigentes de entidades parceiras da ADEPES.
Ao promover este encontro em parceria com a Defensoria Pública do Estado e com a Assembleia Legislativa, a ADEPES reafirma seu compromisso em criar espaços de reflexão e debate qualificado sobre temas de impacto nacional. A atualização do Código Civil, que disciplina a vida privada dos cidadãos brasileiros, envolve não apenas operadores do Direito, mas toda a sociedade, e sua discussão requer engajamento institucional.
A ADEPES seguirá articulando iniciativas que fortaleçam a atuação dos seus associados, valorizem o papel da Defensoria Pública e contribuam para que avanços legislativos estejam em sintonia com os desafios enfrentados pelos carentes.
