Lei do Parto Livre: avanço histórico contra a violência obstétrica no Espírito Santo

05/11/2025

Lei do Parto Livre: avanço histórico contra a violência obstétrica no Espírito Santo

Jornalista Anny Giacomin

 

Nas maternidades públicas do Espírito Santo, uma transformação histórica está em curso. Mulheres que, até pouco tempo, tinham seus direitos e vozes ignorados em um dos momentos mais importantes de suas vidas – o nascimento de seus filhos – agora têm seu protagonismo garantido por lei.

A Lei 12.194/2024, conhecida como “Lei do Parto Livre”, sancionada em julho de 2024, promete transformar a realidade da assistência ao parto no Espírito Santo e busca encerrar ciclos de abusos e negligências que se naturalizaram ao longo de décadas em hospitais públicos capixabas. “Essa lei é resultado de uma luta que eu comecei há quatro anos, quando me atentei para a quantidade de mulheres que sofriam violência obstétrica; elas não tinham a sua autonomia respeitada na hora do parto, resultando até no falecimento de seus filhos”, explica o deputado estadual Wellington Callegari (PL-ES), autor do dispositivo.

A construção da Lei contou com a participação decisiva da defensora pública Maria Gabriela Agapito, assessora parlamentar e coordenadora do Direito à Saúde. Ela conta que acompanhou o projeto de lei desde sua tramitação, e as modificações sugeridas foram essenciais para aprovação unânime da lei na Assembleia Legislativa. “Conversamos bastante e auxiliamos na redação do texto para que o projeto tivesse um apelo maior para as mulheres, trazendo o termo ‘parto adequado’, ou seja, a via de parto mais adequada para a mulher no contexto dela, seja um contexto de saúde, social ou psicológico, sendo uma questão mais complexa, que dê a centralidade para a mulher”, detalha.

Agora, com a aprovação da lei, o trabalho dos defensores começa de fato, segundo Maria Gabriela. Para se ter uma ideia, em 2024, o Núcleo de Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria Pública do Espírito Santo acolheu pelo menos 27 casos de violência obstétrica. Esses números, contudo, não revelam a profundidade das marcas deixadas nas vítimas. “A aprovação da lei representa apenas o início de um longo caminho. Agora é que começa o trabalho”, enfatiza Maria Gabriela.

Os defensores públicos vão dar início a uma abordagem preventiva. “Vamos iniciar um trabalho de levantamento de dados a partir do pré-natal, nas unidades básicas de saúde. Queremos saber como que o pré-natal está sendo feito, que informações estão sendo dadas a essas mulheres”, antecipa Maria Gabriela. Este diagnóstico permitirá à Defensoria propor medidas mais eficazes, como a realização de audiências públicas e, se for necessário, propor recomendações.

Ela destaca, ainda, a importância dessa fase. “A violência obstétrica também acontece por falta de conhecimento das mulheres em relação aos seus direitos e do que é violência obstétrica. A mulher tem que entender que ela tem direito a pensar o plano de parto, quais são as vias de nascimento e o que é melhor para ela. Qualquer efetivação de direitos passa, num primeiro momento, pelo conhecimento dele. Ela tem que estar preparada para isso”, explica a defensora.

Para garantir a efetividade da 12.194/2024, o deputado Callegari conta que já está percorrendo o estado para criar as “Comissões da Vida” em municípios que possuem maternidades públicas. “Conto com a ajuda de todos para criar as comissões, que são basicamente organizações não governamentais, ainda sem personalidade jurídica, mas que reúnem pessoas da sociedade civil para lutar para o cumprimento da lei”, explica. Ele também já desenvolveu uma cartilha informativa sobre a Lei e planeja ampliá-la em parceria com a Defensoria Pública.

Para o deputado, a lei representa uma mudança de paradigma: “Eu considero que a Lei do Parto Livre é revolucionária. É a primeira lei do gênero no Brasil, é a primeira que garante a autonomia da mãe”, afirma, ressaltando que “não há humanização sem dignidade da pessoa humana e que não existe dignidade da pessoa humana sem liberdade”.

Desafios

Embora a legislação se aplique apenas à rede pública do Espírito Santo, seu impacto é significativo, considerando que a grande maioria dos partos no estado ocorrem nessa rede. E os desafios para a implementação plena da lei são significativos e envolvem quebras de paradigmas. “A questão da violência obstétrica às vezes passa muito por uma questão cultural, uma cultura que despreza de verdade os direitos das mulheres, como se fosse um problema menor”, analisa Maria Gabriela.

A defensora aponta uma contradição notável. “Nenhum outro tipo de tratamento de saúde você despreza tanto a palavra da mulher, a escuta da mulher, como na via de parto. É impressionante. Em qualquer outro tipo de tratamento ou cirurgia é normal os médicos trabalharem a informação do paciente, em geral, o conscientizarem… agora, por que isso não é feito num momento tão único para a mulher como é o nascimento?”, reflete a defensora.

O maior desafio, segundo Maria Gabriela, “é chegar nas mulheres que mais precisam. As que mais sofrem violência obstétrica são as mais vulneráveis, são mulheres que têm uma situação de hipossuficiência”. “A Defensoria está aí, de forma preventiva, na educação em direitos, e também se essa mulher tiver o direito violado. Ela pode acionar a Defensoria em qualquer um dos canais, pelo site, ou procurar um núcleo de atendimento da Defensoria Pública”.

Callegari acredita que, se plenamente implementada, “a lei já resolve 50% dos problemas. Segundo o deputado, o objetivo é acabar de vez com a violência obstétrica. “Para resolver os outros 50%, Callegari aponta a necessidade de melhorias no atendimento pré-natal, que depende dos municípios. “Nosso maior desafio hoje é implementar a lei e fazer os municípios aderirem a isso de forma 100%. A Lei do Parto Livre é mais que uma norma jurídica – é um reconhecimento da autonomia das mulheres e um passo decisivo na construção de uma maternidade livre de violência no Espírito Santo”.

O que garante a Lei do Parto Livre?

A nova legislação restabelece a mulher como protagonista do seu plano de parto, garantindo-lhe o direito de escolha sobre como deseja vivenciar esse momento, sempre com o devido acompanhamento médico.

Clique aqui e leia a íntegra da Lei no site da ALES

Canal da Mulher da DPES

O site da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo oferece diversos serviços jurídicos para as mulheres.

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